O fogo de Antula

O FOGO DE ANTULA

25 de Setembro de 2018, texto e fotos por Gustavo L. Pereira

Há sempre uma fogueira acesa no bairro de Antula, nos arredores de Bissau. O fumo é negro e espesso e o ar quente está constantemente saturado da queima dos resíduos que chegam a qualquer momento. É difícil respirar e o fumo exala um cheiro característico que se entranha nas roupas e que perdura muito depois de se abandonar aquele que é o principal depósito de resíduos da Guiné-Bissau. Apesar das condições difíceis, trabalham ali diariamente cerca de duas dezenas de pessoas, que nos desperdícios da cidade encontraram uma fonte de rendimento regular

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Segundo o último recenseamento realizado pelo Instituto Nacional de Estatística da Guiné-Bissau, em 2009, a população do Sector Autónomo de Bissau é de cerca de 365 mil habitantes, sendo no entanto expectável que a população tenha crescido consideravelmente desde então e continue a crescer no futuro. Na cidade, o lixo espalhado pelas ruas é visível, constituindo um desafio do ponto de vista da gestão municipal.

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O crescimento populacional tem implicações na produção de resíduos, estimando-se que em 2025 a cidade venha a produzir aproximadamente 295 toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) por dia. Os resíduos amontoam-se nos bairros, à espera de recolha por parte dos serviços municipais, com capacidade limitada. O destino é o Depósito de Antula, um local a céu aberto onde os resíduos são amontoados e queimados sem outro critério visível que não seja o da necessidade de as pessoas que ali se juntam reaproveitarem alguns materiais, que para outros já tinham chegado ao fim da vida. Adultos, crianças, mulheres, homens, guineenses ou de outras nacionalidades, o perfil de quem trabalha em Antula é heterogéneo. 

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Em 2016, a LVIA – Solidariedade e Cooperação Internacional, uma Organização Não Governamental italiana presente na Guiné-Bissau desde 1986, juntou-se à Câmara Municipal de Bissau para implementar um projecto de gestão de resíduos na cidade, com fundos da União Europeia. O projecto “Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos em Bissau” (GRSU-BISSAU) começou a 1 de Fevereiro de 2015 e teve como objectivo contribuir para a melhoria das condições higiénico-sanitárias da população de Bissau, através de uma  maior limpeza da cidade e da definição de um “Plano de Gestão de Resíduos Sólidos da Cidade de Bissau” a médio prazo (10 anos).

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Entre as diferentes actividades previstas pelo projecto, contava-se a realização de um estudo de pré-viabilidade de uma lixeira para o encerramento do Depósito de Antula, a sensibilização da população sobre a importância da gestão dos resíduos urbanos bem como a implicação, inclusão e formação dos lixeiros/apanhadores informais de resíduos.

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“Onde tudo começou”. Abdul Cadry Li, de 38 anos, é Presidente da Associação de Moradores do Bairro da Tchada, em Bissau e foi Presidente da primeira Cooperativa de Recolha de Lixo da Guiné-Bissau, projecto que teve uma curta duração. Quando fala dos problemas ambientais do país, gosta de ir onde diz que tudo começou para si, onde o lixo se acumula nos limites da Tchada

O local para o novo depósito foi identificado, foi realizado um estudo de caracterização dos apanhadores de lixo de Bissau e, já no final do tempo de projecto, foi constituída a primeira Cooperativa de Recolha de Lixo da Guiné-Bissau, a CRELIX, que, em articulação com a Câmara Municipal de Bissau, iniciou um projecto-piloto de recolha de resíduos em dois bairros da cidade: Tchada e Bissau Velho. Para além da equipa de gestão da cooperativa, oriunda das associações de moradores dos dois bairros envolvidos, a Cooperativa envolvia dez catadores ecológicos, nome mobilizado para afastar o estigma geralmente associado ao nome mais comum de “lixeiro”.

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Com o fim do projecto e com os efeitos da instabilidade política que se vive na Guiné-Bissau desde a destituição do governo de Domingos Simões Pereira em 2015, o Plano de gestão de Resíduos não está actualmente em implementação e a CRELIX acabaria por deixar de trabalhar apenas dois meses depois de ter começado. A segunda fase do projecto, esperada por alguns dos seus principais protagonistas, não foi alvo de financiamento devido à instabilidade política vivida a nível nacional. Este ano fez vinte anos do conflito armado que em 1998 destruiu parte de Bissau e para o ano fará uma década do assassinato do ex-Presidente Nino Vieira. Em Antula, as fogueiras continuam a arder.

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